Racionar ou racionalizar?
Miguel Umaña,
ex-ministro de Minas e Energia.
Todo o complexo setor de eletricidade do país parece ter sido tomado por um estranho frenesi diante da possibilidade de racionamento de energia elétrica. Não passa um dia sem que alguma "Cassandra" preveja o pior para os próximos meses, em razão do baixo nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas. A resposta do governo até agora foi lançar um programa de publicidade conclamando a população a economizar eletricidade, mas o tom das declarações dos diversos responsáveis é de resignação, como se o racionamento fosse inevitável. A própria idéia de economizar eletricidade é negativa, porque significa, de imediato, alguma de privação, como luzes apagadas, menos elevadores funcionando, aparelhos de ar-condicionado desligados e inconveniências de todo tipo. A razão por que essas medidas tendem a ser ineficazes é a seguinte: a maioria dos aparelhos que consomem eletricidade está ligada diretamente à rede e não há muito que se possa fazer a respeito deles, exceto desligá-los.
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Uma fábrica precisa de motores para funcionar e não há como economizar a não ser cortando a produção; as geladeiras e os aparelhos de ar-condicionado funcionam automaticamente, bem com os outros eletrodomésticos, e não há como reduzir seu consumo a não ser deixando de usá-los. Talvez alguma economia se obtenha reduzindo a iluminação pública, mas com isso provavelmente a criminalidade vai aumentar. As medidas que poderiam ser eficazes para reduzir o consumo, sem abrir mão dos serviços que a eletricidade nos proporciona, são todas estruturais e de longo prazo, e não conjunturais e de curto prazo. Acerca deles não se fez nada desde que a ameaça de falta de energia se começou a configurar há alguns meses.
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Quais são essas medidas possíveis? Em primeiro lugar, melhorar a eficiência dos equipamentos que usam eletricidade, desde lâmpadas até chuveiros elétricos e motores. É preciso que o governo (e os usuários) se de conta de que ninguém utiliza eletricidade "de per si", mas os serviços que ela nos proporciona: iluminação, refrigeração, aquecimento da água (em chuveiros elétricos, por exemplo), o funcionamento dos eletrodomésticos e motores, na indústria. Sucede que todos esses equipamentos podem ser de melhor ou pior qualidade e usam muito mais eletricidade do que é necessário, justamente por serem de pior qualidade. Geladeiras, no Brasil, de modo geral, consomem de 30% a 50% mais eletricidade do que suas similares no exterior, e o mesmo vale para uma infinidade de outros produtos. É na melhoria dessa qualidade que o governo tem de atuar. Há duas maneiras de fazer isso: Em primeiro lugar, estabelecendo normas e padrões a que os equipamentos têm de obedecer, sem o que não poderão ser comercializados. Isso é feito até para automóveis nos EUA, onde os diversos modelos têm de fazer um numero mínimo de quilômetros por litro. Chama-se "etiquetagem" a maneira de fazer isso, e ela não deve ser voluntária, como ocorre hoje, mas mandatária. O Instituto Nacional de Metrologia, apoiado em dispositivos legais, poderia fazer isso. Em segundo lugar, introduzindo um diferencial nos impostos que favoreça equipamentos mais eficientes e taxando violentamente os que desperdiçam energia desnecessariamente, como chuveiros de grande potência, que só se encontram no Brasil. Poder-se-ia argumentar que equipamentos mais eficientes no uso de eletricidade custam mais caro, mas a experiência de outros países mostra que isso nem sempre é verdade. Quando é verdade, redunda em economias de eletricidade que permitem recuperar o custo inicial mais elevado em menos de dois ou três anos. Isso é o que já descobriram os donos de hospitais, hotéis e administradoras de aeroportos, onde as luzes ficam acesas 24 horas por dia - o que eles fazem é usar lâmpadas fluorescentes, que economizam até 80% na conta de eletricidade. O que cabe ao governo é criar mecanismos e incentivos que facilitem a transformação para o uso de equipamentos mais eficientes, o que vai acelerar a modernização do país. Alem dessas medidas, que darão resultado a médio e longo prazos, só o racionamento vai forçar as pessoas a tomarem as suas próprias decisões, algumas delas muito ruins, como instalar grupos diesel nas suas industrias e gerar sua própria energia. Outra conseqüência que parece evidente - e já desejada por muitos fabricantes de equipamentos - é o forte aumento do preço da eletricidade para atrair mais investidores para o setor, o que vai pesar no bolso dos consumidores. O insucesso do programa emergencial de termoelétricas é a causa mais próxima dos problemas que enfrentamos, alem dos fatores incontroláveis, como o período de pouca chuva que estamos atravessando. As medidas estruturais esboçadas acima podem demorar um pouco a se concretizar, mas os prenúncios de mais problemas nos próximos dois anos são muito fortes e, se elas não forem introduzidas agora, atravessaremos uma situação ainda pior na próxima década. |
Adaptado de:
José Goldemberg,
O Estado de São Paulo, 03 de Maio de 2001.