Energia no Século 21.
José Goldemberg
Em setembro de 2000, foi publicado importante relatório preparado pelas Nações Unidas e pelo Conselho Mundial de Energia sobre as tendências energéticas para a primeira metade do Século 21. Prever o futuro foi sempre uma tarefa arriscada, mas o relatório não cai na tentação de fazer especulações.
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Ele avalia objetivamente o que não acontecerá caso não sejam tomadas as medidas necessárias e quais as prováveis conseqüências da sua adoção. O relatório foi preparado para ser apreciado pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas no ano 2001. O Conselho Mundial de Energia, que é uma organização que congrega as grandes empresas do setor energético, o divulgará nos 98 paises onde tem comitês nacionais. O ponto de partida do estudo é uma descrição do atual sistema energético mundial: cerca de 80% da energia usada no mundo provem de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão). O resto provem de energia hidrelétrica, nuclear, de lenha e outros resíduos vegetais (principalmente nos paises mais pobres). O consumo de energia no mundo, como um todo, cresce cerca de 2% por ano e deverá dobrar em 30 anos, se prosseguirem as tendências atuais. O crescimento não é uniforme: ele é de apenas cerca de 1% por ano nos paises industrializados, mas chega a 4% por ano nos paises em desenvolvimento que estão crescendo rapidamente e vão dominar o cenário mundial no que se refere ao consumo de energia dentro de 15 anos.
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Cerca de US$ 400 bilhões são investidos por ano nesse setor. A principal conseqüência dessa evolução é o aumento do consumo de combustíveis fósseis e a resultante poluição ambiental em todos os níveis: local, regional e global. Cerca de 85% do enxofre lançado na atmosfera (principal responsável pela poluição urbana e pela chuva ácida) se origina da queima de carvão e petróleo, bem como 75% das emissões de carbono (responsável pelo "efeito estufa"). Essa situação não se pode manter indefinidamente, mesmo porque os próprios países industrializados passarão a sentir seus efeitos e suas populações exigirão medidas para remedia-los. Alem disso, cerca de 2 bilhões de pessoas, sobretudo nas zonas rurais dos paises menos desenvolvidos, não tem acesso à eletricidade. Ampliar seu acesso aos serviços que modernas fontes de energia tornam possível é uma prioridade urgente não só do ponto de vista humanitário como também político e social. Soluções técnicas existem e são basicamente as seguintes:
É pouco provável que as "forças de mercado" levem à adoção de todas as medidas necessárias para que essas soluções sejam adotadas. Políticas públicas serão necessárias para acelerar a transição do atual sistema energético para um sistema mais sustentável. Há uma variedade de políticas que levam as forcas de mercado a funcionar melhor, tais como a remoção de subsídios ao uso de combustíveis fósseis e a taxação sobre os combustíveis mais poluidores, capturando assim, no preço, as "externalidades" geradas pelo seu uso. O exemplo é a adoção da obrigatoriedade de incluir no "menu" de energia oferecida aos usuários uma porcentagem mínima - por exemplo, 10% - de energia renovável. A Comunidade Européia adotou políticas desse tipo a serem atingidas até o ano de 2010. Esse não é um problema para o Brasil, uma vez que 60% da energia que usamos já é renovável, mas é um problema nos países industrializados. Particularmente importante também é a colaboração internacional que permita a transferência de tecnologias modernas e "limpas", a serem incorporadas no inicio do processo de desenvolvimento. Essa estratégia evita a necessidade de medidas adicionais de combate à poluição no futuro. "Saltos" tecnológicos desse tipo foram feitos com telefones celulares e não há razão alguma para não serem feitos com tecnologias da área de energia. Nessa área, a "globalização" da economia mundial pode ajudar significativamente. Finalmente, é necessário introduzir políticas mais agressivas para acelerar a eletrificação rural e, quando isso não for possível (ou claramente antieconômico), usar fontes descentralizadas de eletricidade, como energia dos ventos, células fotovoltaicas e outras. Caso contrario, será impossível cobrir o "déficit" existente de 2 bilhões de pessoas sem acesso à eletricidade, apesar dos 800 milhões que foram atendidos de 70 a 90. Modernizar o uso de lenha e resíduos vegetais por sua substituição por gás ou combustíveis líquidos é também possível com novos esquemas de financiamento ou pela outorga de concessões a empresas privadas que o façam. O que o relatório das Nações Unidas mostra é que essas medidas – se adotadas -, nos próximos dez anos, aproveitarão uma "janela de oportunidade" que poderá levar a um futuro energético sustentável. |
Adaptado de:
O Estado de São Paulo, 13 de Junho de 2000.