Os ambientalistas brasileiros e a hidroelétrica.
Joaquim Francisco de Carvalho, consultor em energia
Os rios amazônicos permitirão que o Brasil satisfaça a demanda por eletricidade nas próximas décadas, sem recorrer em grande escala a usinas termoelétricas a carvão, óleo ou gás natural, que lançam, na atmosfera, gases extremamente deletérios. A energia potencial dos rios é uma de nossas maiores riquezas naturais. Renunciar a seu aproveitamento significa abrir mão de uma inigualável vantagem relativa, que poderia colocar o Brasil na dianteira de países de escala econômica comparável. Ninguém nega que qualquer projeto hidroelétrico, em especial os de grande escala, como os do Rio Madeira e o de Belo Monte, devam ser planejados e implantados em harmonia com o meio ambiente. No entanto, algumas ONGs ambientalistas colocam-se indiscriminada e radicalmente contra a construção de usinas hidroelétricas, sem perceber que, ao fazê-lo, estorvam o desenvolvimento do país e reforçam o lobby de grupos interessados na construção de gasodutos e na exploração de usinas termoelétricas, que, por força de emissões de gases opacos às radiações infravermelhas, contribuem perigosamente para o aquecimento da atmosfera terrestre, podendo dar origem a catástrofes ambientais capazes de ameaçar a própria sobrevivência da espécie humana. De acordo com estimativas da Eletrobrás, a vazão regularizada do Rio Xingu é de 32.000 m³/segundo. Dadas as características topográficas da região, tal fluxo permitirá a instalação de uma capacidade conjunta da ordem de 23.000 MW, ao longo do rio. O complexo hidroelétrico de Belo Monte será o primeiro passo para o aproveitamento do extraordinário potencial desse rio. Na região indicada para a obra (Volta Grande do Xingu), o rio corre num cânion que faz uma curva e retorna no sentido oposto, desenhando uma espécie de ferradura, quase fechada. O desnível entre a entrada e a saída dessa ferradura é de 90 metros. Na saída, o fluxo turbinável é de, aproximadamente, 13.900 m³/segundo. O anteprojeto era para a construção de uma barragem no fim, isto é, na saída do cânion, para alimentar uma casa de força com a capacidade de 11.000MW (20 máquinas de 550MW). Essa configuração apresentava os inconvenientes de alagar uma ilha de onde teriam que ser removidos cerca de 400 índios, e de inundar toda a área abrangida pela concavidade da curva em forma de ferradura, descrita pelo cânion (cerca de 1.225km², quase a mesma de Itaipu), numa região de biodiversidade extremamente rica. Preparou-se entretanto um projeto alternativo, que não alagará a ilha dos índios, muito menos a área circunscrita pela curva, preservando assim a biodiversidade. A idéia básica desse projeto é construir, antes do começo (entrada) do cânion, uma barragem menor, formando, a montante, um lago de 400km², área que corresponde somente ao dobro da expansão normal do rio em seu leito, nas épocas chuvosas. Uma pequena parte da água aí acumulada alimentará uma casa de força com capacidade de 182MW, e a maior parte descerá por um sistema de canais, diques e penstocks, diretamente até uma casa de força construída na saída do cânion, situada 90 metros abaixo, para alimentar 20 máquinas de 550MW, ou seja, 11.000MW. Teremos assim, no total, uma capacidade instalada de 11.182MW. Nessa configuração, a potência firme da hidroelétrica de Belo Monte será de 4.675MW (fator de capacidade de apenas 42%). Mas esse fator melhorará, na medida em forem sendo construídos outros aproveitamentos já inventariados a montante de Belo Monte, e que se interliguem os sistemas elétricos das regiões Norte e Nordeste. Aliás, Belo Monte está a apenas 550km (em linha reta) de Imperatriz, distância que viabiliza um sistema de transmissão em corrente contínua e extra-alta voltagem, ligando esses pontos. Como Imperatriz é um nó dos sistemas de transmissão Norte-Sul e Norte-Nordeste, e já existe um sistema de transmissão (com uma linha já construída) ligando esse nó a Serra da Mesa (região Centro-Oeste), Belo Monte poderá ser muito importante para o sistema elétrico nacional, como um todo. |
Adaptado de:
Jornal do Brasil, 01 de Agosto de 2004.