No Brasil se desperdiça quase o equivalente à capacidade de produção da usina de Itaipu.

 

Rio de Janeiro, Brasil - Segundo um dito popular, só se põe o cadeado depois da porteira arrombada. Mas nem foi esse o caso do setor elétrico brasileiro, que continua sem cadeado. Três anos depois de a população ter passado por um duro racionamento, quando teve de reduzir seu consumo de energia em 20%, hoje tanto as pessoas como as empresas relaxaram seus hábitos. Resultado: o Brasil desperdiça energia em lâmpadas acesas sem necessidade e, principalmente, com o uso de equipamentos e motores que não são eficientes.

— A energia desperdiçada daria para abastecer toda a Região Nordeste. O racionamento na ocasião reduziu o consumo em 20%, mas logo depois que terminou os níveis de consumo foram voltando aos anteriores — afirmou o chefe de Planejamento do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), Renato Mahler.

Pelos dados do Procel, da Eletrobrás — programa que promove o desenvolvimento de tecnologias e métodos para o uso racional de energia — o país joga fora o equivalente a 47 milhões de quilowatts-hora (kWh) de energia por ano. Esse volume é suficiente para abastecer uma cidade com 25 milhões de residências, o que equivale ao consumo do Nordeste inteiro. Os números impressionantes não param aí: para gerar essa energia é necessária uma usina hidrelétrica de 11 mil megawatts (MW) — quase do tamanho de Itaipu Binacional, cuja capacidade é de 12.600MW. Técnicos do setor calculam que, para se construir uma usina com essa capacidade, seriam necessários investimentos de cerca de US$18,7 bilhões.

Setor industrial é o que mais desperdiça

Nem todo o aprendizado do racionamento foi perdido, diz Mahler. Muitas pessoas ainda se preocupam com o uso racional da energia e procuram comprar equipamentos com o selo Procel de melhor eficiência energética.

O setor em que há mais desperdício de energia é o industrial, que responde por 47% do consumo de eletricidade no país. Desse total, quase a metade é consumida pelos motores. Segundo o dirigente do Procel, cerca de 40% do consumo das companhias de saneamento básico (água e esgoto) são desperdiçados por causa do rendimento dos equipamentos.

Em 2004, o Brasil consumiu 43 mil MW médios de energia, recorde em toda história do país. Em 2000, antes do racionamento que durou de junho de 2001 a fevereiro de 2002, o consumo foi de 41 mil MW médios. Em dezembro do ano passado, o consumo foi recorde para o período de um mês: 44.902 MW médios, ou 33.407 gigawatts/hora (GWh).

— O que deveria ter sido feito não foi feito, porque os índices de consumo depois do racionamento voltaram aos mesmos anteriores. Se as indústrias tivessem trocado os equipamentos em massa, daria para perceber — afirmou o executivo do Procel, ao destacar também que o comércio continua desperdiçando muita energia.

Segundo Renato Mahler, os comerciantes deveriam optar por equipamentos como as luminárias e lâmpadas compactas eficientes. Mas assim como fez a indústria na época do racionamento, o comércio substituiu algumas lâmpadas, e alguns lojistas simplesmente reduziram nível de iluminação e diminuíram o funcionamento de escadas rolantes para atingir a redução de consumo exigida pelo governo federal. Portanto, poucos comerciantes substituíram os equipamentos que gastam muita energia por outros mais eficientes.

Já os consumidores residenciais, na época do racionamento, compraram equipamentos mais eficientes como geladeiras, e trocaram muitas lâmpadas incandescentes pelas fluorescentes compactas. No entanto, com o passar do tempo, à medida que essas lâmpadas queimavam, eram substituídas novamente pelas incandescentes por serem mais baratas.

Para crescer de forma sustentada, o país vai precisar de muita energia. Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), neste ano o consumo de energia deverá crescer cerca de 5,4% para atender a um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 3,6%. Para o próximo ano, a previsão é de um crescimento da demanda de 4,5% para uma taxa de crescimento da economia de 3,9%. A perspectiva do setor é de que, em 2008, o consumo de energia aumente 6,3%, para uma expansão do PIB de 4,4%. Ou seja, o uso cada vez mais racional da energia será fundamental para fazer frente aos elevados investimentos previstos na sua expansão.

O executivo do Procel admite que atualmente as pessoas já não se preocupam tanto com o uso eficiente da energia. Apesar disso, Mahler acredita que, de qualquer forma, o racionamento trouxe benefícios e deixou a lição de economia de energia para todos os setores. Apesar de os níveis de consumo atualmente serem iguais ou superiores aos de 2000, se não tivesse havido o racionamento os níveis de consumo estariam bem mais elevados. Somente em 2004 o consumo cresceu 4,7% em relação ao ano anterior. Em 2003, o crescimento do consumo tinha sido de 5,3%.

País tem metas de economia até 2010

O Procel, segundo o executivo, tem diversos programas na área industrial, como a realização de treinamento, capacitação e diagnósticos de gastos de energia. O programa desenvolve ações também para os consumidores residenciais e comerciais e tem o selo Procel e o Prêmio Procel para os produtos ou metodologias que reduzam o consumo de energia.

Pelas metas do Procel, o montante a ser economizado entre 2004 e 2010 é de 18 mil megawatts/hora, equivalente à energia elétrica necessária ao atendimento de mais de 10 milhões de residências e à energia fornecida por uma usina hidrelétrica com capacidade de 4.500 MW.

Adaptado de:
O Globo, 09 de Janeiro de 2005.